16 DE JULHO: O DIA DE MINAS
... Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda...
In: Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles
“Mineiros, o primeiro compromisso de Minas é com a liberdade. Minas nasceu da luta pela liberdade. Liberdade é o outro nome de Minas”.
Discurso de posse de Tancredo Neves como governador de Minas, em 1983, na sacada do Palácio da Liberdade, dois anos antes de ser eleito pelo Colégio Eleitoral o primeiro presidente civil do país após a ditadura militar.
"Sou do mundo, sou Minas Gerais."
Para Lennon e McCartney, canção do álbum "Milton" (1970) - Letristas: Fernando Brant, Márcio Borges e Lô Borges.
16 DE JULHO é uma data paradigmática para se render singela homenagem à cidade de Mariana – que emprestou o dia de sua fundação para se instituir a data cívica constitucional conhecida por DIA DE MINAS.
Este artigo pontua subsídios históricos, que esclarecem a razão por que estarmos festejando neste 16 de julho de 2022 o Dia de Minas.
Cultuando perenemente a Liberdade, essência de Minas, aqui nasceram ou tiveram a participação de Mariana vários movimentos, com ações e reações repercutentes na vida nacional, dentre os quais se destacam os seguintes, formadores de nossa mineiridade (esse sentimento comum da gente mineira germinado durante mais de três séculos e conformando um modo de ser e de agir muito próprio) em resumida linha do tempo: em primeiro lugar, a Guerra dos Emboabas em 1707-9, depois a Conjuração Mineira em 1789, em seguida a Revolução Liberal de 1842, mais adiante, o Manifesto dos Mineiros e, por fim, o Dia de Minas. Constitui nosso objetivo, na linha do tempo e em breves pinceladas, reportar-nos a essescinco momentos da História de Minas Gerais e fixarmos a participação de Mariana em todos eles.
Antes, porém, de abordar esses movimentos que deram à nossa gente um sentimento comum de mineiridade, gostaria de registrar que, certo dia, folheando por acaso o nº 56 da Revista do Brasil (1920), deparei-me com um artigo do historiador e sociólogo Oliveira Vianna, natural de Saquarema-RJ, intitulado "Minas do Lume e do Pão", que começa assim:
“Pouco antes de embarcar-me para Minas, um mineiro dos mais typicos, descendente de uma das mais tradicionaes familias dalli, disse-me aqui no Rio: — Si quizer conhecer o mineiro, no seu génio, nos seus costumes, na sua hospitalidade, não fique na zona da matta; a matta está muito infestada dos fluminenses; vá para o centro, vá a Ouro Preto, a Diamantina, a Marianna; ahi é que está Minas. É provável que assim seja...”
Mas continua:
“Póde muito bem ser que, ampliando mesmo o meu campo de observação para além da região montanhosa indicada pelo meu amigo, outr'ora região dos grandes centros mineradores e hoje região principal da vida religiosa de Minas..., póde bem que o typo do mineiro me surgisse outro, sob outros contornos e outro colorido, que não aquelle sob que me appareceu na zona atravessada pelos trilhos da Central. (...)”,
Enaltecendo ele outros tipos do mineiro que encontrou na sua viagem, cita, dentro dessa espécie, o tipo são-joanense, lavrense, oliveirense, juizforense, palmirense (de Santos Dumont), barbacenense, belorizontino.
Em seguida, conta que dos mineiros tinha outra ideia veiculada por uma canção preconceituosa que ouvira dos seus conterrâneos nos dias da sua mais tenra infância:
Vou-me embora para Minas,
Mineiro está me chamando!
Mineiro tem mau costume:
Chama a gente, e vae andando!
Sem atinar com a razão desse preconceito absurdo, concluiu poder afirmar:
“com a segurança de uma longa observação, que os mineiros, pelo seu temperamento, são absolutamente incapazes dessas attitudes de arrogancia ou grosseria. Elles exprimem, mais do que nenhum outro, os aspectos mais brandos da nossa indole nacional. (...)”
● Tomando como referência o primeiro movimento formador de nossa mineiridade na linha do tempo, a Guerra dos Emboabas, comecemos por examinar o poema épico "Vila Rica" escrito em 1773, em que o marianense Cláudio Manuel da Costa canta em versos, como poeta árcade que era, usando o pseudônimo de Glauceste Satúrnio, a jornada de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, o herói do poema, responsável pela inserção da ordem numa terra dominada pela barbárie. Albuquerque encontrou uma região tumultuada pelo conflito armado entre paulistas (descobridores e exploradores exclusivos das jazidas de ouro) e emboabas (forasteiros vindos de outras capitanias ou portugueses atraídos pelo ouro), que aqui irrompeu entre 1707 e 1709. Assim, lemos no Fundamento Histórico, texto que subsidia o poema épico "Vila Rica", a versão heróica e épica de Cláudio Manuel da Costa sobre os eventos ligados à jornada e à atuação do pacificador Albuquerque na Guerra dos Emboabas, a saber:
1) de Lisboa ao Rio: “Chegou ao Rio de Janeiro a frota de Portugal, e nela veio render a D. Fernando ¹ o Governador e Capitão General Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho ², por patente datada em Lisboa em 23 de novembro de 1709. (...)”
2) do Rio à região mineradora: “Prostraram-se aos pés de Albuquerque os rebeldes, e desculparam como lhes foi possível os seus crimes: o Governador os recebeu afavelmente, não querendo usar do poder e das ordens de que vinha fortalecido; segurou a todos o perdão pela emenda que dessem a conhecer para o futuro; e não tardou a capacitar a Manuel Nunes (Viana) e Antônio Francisco ³ que não convinha a assistência deles nas Minas Gerais, por sossegar de uma vez o tumulto dos povos.
Retiraram-se com este conselho os dous para as fazendas que tinham nos Sertões: sossegou o povo com a ausência dos Patronos, e prosseguiu Albuquerque na criação das Vilas e estabelecimento da Capitania. (...)”
Manuel Nunes Viana liderou as tropas emboabas, enquanto Borba Gato chefiava os bandeirantes na guerra. No Capão da Traição (topônimo a 2,5 léguas distantes do marco zero de São João del-Rei) aconteceu a batalha mais sangrenta e que definiu a vitória dos emboabas. Com a expulsão dos paulistas, os emboabas entraram na posse das minas.
Consta que a fonte primária para o "Fundamento Histórico" de Cláudio Manuel teria sido o relato apógrafo do Coronel Bento Fernandes Furtado, paulista que tinha sido morador no Arraial de São Caetano, distrito da cidade de Mariana, que lhe teria confiado, pouco antes de morrer, "alguns apontamentos que fizera", além de subsídios de Pedro Taques de Almeida Paes Leme, constando de "ordens régias, cartas de governadores e atestações de prelados eclesiásticos, e manuscritos desde a era de 1682". O "Fundamento Histórico" recorreu a dois elementos, que podem ser contrastantes entre si: a "memória" (contribuições do Coronel Bento Fernandes Furtado) e a história (graças ao auxílio de Pedro Taques). Ora, toda epopeia se baseia no mito ou na tradição de relato de um determinado feito. Não é um exagero afirmar-se que o historiador Cláudio Manuel da Costa se apóia na memória desta tradição dos dois colaboradores, mas não integralmente porque decide confrontar as informações coligidas com a obra "História da América Portuguesa" publicada em Lisboa em 1730, do soteropolitano Sebastião da Rocha Pita. De acordo com este, Albuquerque é um herói pacificador, partidário dos emboabas e contrário à tirania dos paulistas. Neste caso, o historiador Cláudio Manuel valida o elogio de Rocha Pita aos feitos do governador Antônio de Albuquerque. Percebe-se da leitura do "Fundamento Histórico" que o autor demonstra ampla pesquisa tanto em fontes documentais quanto em fontes literárias tais como o poema épico manuscrito de Diogo Grasson Tinoco ⁴, composto em 1689, o que permite ao leitor estabelecer um diálogo entre esses dois gêneros (história e literatura).
Também é importante constatar que praticamente todos os historiadores que tratam da Guerra dos Emboabas utilizaram a matriz histórica contida no "Fundamento Histórico", de Cláudio Manuel da Costa, e associaram a figura de Albuquerque à de um herói pacificador, a começar por José João Teixeira Coelho na obra "Instrução para o governo da capitania de Minas Gerais", talvez de 1778, vista como concluída em 1780, quando desembargador no Porto. Associando a figura de Albuquerque à de um herói pacificador, também podem ser citados os seguintes outros exemplos de apropriação da obra de Cláudio Manuel: José Joaquim da Rocha, Afonso de E. Taunay, Isaías Golgher, Aureliano Leite, Diogo de Vasconcelos secundado por Marco Antônio Silveira, etc.
Com a vitória dos emboabas sobre os bandeirantes paulistas, acendeu uma luz de alerta na Metrópole portuguesa: ficou demonstrada a fragilidade do controle sobre a região das recém-descobertas Minas de Ouro, chamando a atenção da Coroa portuguesa para a necessidade de intervir na exploração dos metais preciosos no Brasil. Em 3 de novembro de 1709, foi criada a Capitania de São Paulo e Minas de Ouro para melhor administrar e fiscalizar tal exploração ficando a cargo do pacificador Albuquerque o seu governo, substituído em 31 de agosto de 1713 por Brás Baltasar da Silveira. Passados sete anos do término da Guerra dos Emboabas, assumiu em 14 de setembro de 1717 o cargo de Governador Capitão-General dessa província Pedro Miguel de Almeida Portugal, mais conhecido como Conde de Assumar. Assumar instalou-se em Mariana, então Vila de Ribeirão do Carmo, trazendo como principal missão organizar e disciplinar a cobrança do quinto do ouro, o imposto que Portugal cobrava da Colônia e que teria que ser pago por todos os que realizavam a extração do ouro. O conde encontrou forte resistência dos habitantes quanto à cobrança do imposto e, em 1720, rebelaram-se os moradores de Ribeirão do Carmo e Vila Rica, que chegaram a ameaçá-lo. Refugiado em Vila Rica, o governador armou sua reação, enfrentando severa resistência. Foi um tempo de vários embates, que resultaram em acontecimentos como a morte do líder local Felipe dos Santos e o incêndio nas encostas da Serra de Vila Rica, onde trabalhavam e residiam centenas de mineradores. Esses acontecimentos de 1720 levaram o rei de Portugal, dom João V, por solicitação e indicação do conde de Assumar, a criar a Capitania das Minas, separando-a da de São Paulo, o que ocorreu por Alvará datado de 2 de dezembro de 1720, data oficial da nova Capitania de Minas Gerais.
● O segundo momento importante formador da nossa mineiridade identificamos na Conjuração Mineira. Inicialmente vejamos a inadequação da expressão que pegou: Inconfidência Mineira, como os portugueses chamavam o movimento libertário de Minas Gerais contra o jugo português. Verificando no Aurélio o significado de Inconfidência, encontra-se: “falta de fidelidade a alguém, particularmente para com o soberano do Estado”. Inconfidente é aquele que trai o seu Rei. Também “inconfidência” lembra a revelação de um segredo confiado, uma delação. Portanto, era muito importante para a Coroa portuguesa chamar o movimento libertário de “inconfidência”, já que para ela o importante era o fato da delação e não deixar claro como o movimento estava bem articulado. Os Autos de Devassa referem-se reiteradamente à Inconfidência Mineira como “sublevação, motim” ou “sedição, levante”. Entendo mais conveniente falarmos de uma conjuração ou uma conspiração contra a autoridade constituída (Coroa portuguesa).
Por um lado, havia uma grande efervescência social com a absorção de novos conceitos que vinham da Europa (mormente da França) e do exemplo da sublevação das 13 colônias norte-americanas contra a Metrópole (Inglaterra). Muitas mudanças estavam em curso na Europa, lideradas pela Revolução Industrial na Inglaterra e agitações burguesas que culminaram na Revolução Francesa em 1789. Os Estados Unidos já tinham declarado sua independência em 1776 sob esses ideais liberais. Os ideais do Tiradentes eram igualmente liberais, frutos do Liberalismo do final do século XVIII, todos de fundamentos iluministas, a saber: a Independência do Brasil do jugo português, a instituição da República, melhor aproveitamento das nossas riquezas, construir uma universidade, promover a implantação da imprensa, além de hospitais, escolas, bibliotecas, indústrias têxteis, etc.
Por outro lado, como a sociedade, em grande parte, era constituída de pessoas incultas, negros escravos e índios, certa elite precisava assumir a iniciativa de implantar projetos civilizatórios em nome de sua população e em prol do país. Era o que acontecia com o grupo de inconfidentes, composto de muita gente ilustre (três poetas, um ouvidor, um juiz), militares graduados, cinco membros do clero, etc., muitos deles pressionados por dívidas e impostos em atraso, que acabaram por se envolver na Conjuração Mineira, descontentes que se encontravam com os rumos do país como nação. Destaque deve ser dado a uma mulher, Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, que residia na Fazenda da Ponta do Morro com seu esposo Francisco Antônio de Oliveira Lopes (1750-1794), ambos participantes da conjuração. O ideário dos conjurados de 1789 passaria praticamente a ser o programa dos republicanos de 1889, ou seja um século depois, que, por isso mesmo, elege o Tiradentes como o seu herói, cuja admiração permanece incólume ou cada vez mais crescente por parte da caserna e do povo.
No Brasil, os assim chamados ADIM-Autos de Devassa da Inconfidência Mineira foram os autos do processo judicial movido pela Coroa portuguesa contra Tiradentes e demais inconfidentes, para apuração de crime de lesa-majestade (traição ao Rei), previsto nas Ordenações Filipinas, que vigoraram entre 1603 a 1917 ⁵.
Em 21 de abril de 1792, quase completos os três anos do processo-crime iniciado a 7 de maio de 1789, subiu os degraus da forca o Alferes da Cavalaria Regular de Minas, o Tiradentes, após o que sofreu morte e esquartejamento. Soldado heróico de muitas campanhas em defesa de sua terra, foi considerado Réu do crime da Liberdade. O Governo brasileiro, pela Lei nº 4.897, de 9/12/1965, atribuiu àquele Herói o título de Patrono Cívico da Nação Brasileira.
Todos os conspiradores – exceto três que denunciaram a conspiração: Joaquim Silvério dos Reis, Inácio Correia Pamplona e Basílio de Brito Malheiro do Lago, em troca do perdão de suas dívidas com a Real Fazenda – foram condenados por crime de lesa-majestade, definidos como “traição ao Rei”. Mais tarde, por clemência de D. Maria I, todas as sentenças, exceto a do Tiradentes que tinha assumido toda a culpa pela “inconfidência”, tiveram a sentença de morte natural mudada para degredo na África, ou degredo em Portugal, no caso de membros do clero.
Durante as inquirições começaram a aparecer depoimentos, que apontaram para a liderança de Alvarenga Peixoto e Tiradentes no desenho da divisa da bandeira para a República que não chegou a existir. Um dos mais esclarecedores sobre esse ponto foi o depoimento de Cláudio Manuel da Costa, na única inquirição a que foi submetido em 2 de julho de 1789. Na ocasião, o poeta marianense, respondendo aos inquiridores – “se os confederados já tinham tratado de levantar armas ou bandeiras” –, sem descrever a bandeira, Cláudio, respondeu que "não havia dúvida dizer o Cel. Alvarenga, em certa ocasião, que se poria uma letra que dissesse: Libertas quæ sera tamen." Dois dias depois, foi encontrado morto em uma cela improvisada na Casa do Real Contrato (atual Casa dos Contos) em Vila Rica, casarão construído entre 1782 e 1787 para ser a residência de João Rodrigues de Macedo, cobrador de impostos da Capitania de Minas Gerais.
Considera-se que a bandeira idealizada para a República a ser instalada pelos conspiradores mineiros possui muitos elementos maçons. Há quem acredite ser o triângulo uma conexão com a maçonaria e, conforme os ideais iluministas – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – e representar uma forte ligação com os ideários dos revoltosos da Revolução Francesa. Alvarenga Peixoto e Tiradentes em São João del-Rei já tinham delineado a nova bandeira brasileira, com um triângulo ao centro e com os escritos “Libertas Quae Sera Tamen” (liberdade ainda que tardia) nas cores azul, vermelha e branca, tudo copiado das cores francesas que representavam a Liberdade, a Fraternidade e a Igualdade. Observe-se que Tiradentes não fez qualquer menção, nos Autos de Devassa, à cor do triângulo da bandeira ⁶.
Portanto, conforme o volume 2 dos ADIM, p. 133, a nova bandeira nacional foi proposta por Alvarenga Peixoto, contendo o lema político da Conjuração Mineira: “Liberdade ainda que tardia”, tradução mais comumente dada ao primeiro hemistíquio do verso 27 da 1ª écloga das Bucólicas de Virgílio (Virgílio: Bucólicas, 1.27), a saber: “libertas quæ sera tamen (respexit inertem)” ⁷, para marcar a bandeira da República que idealizou, na Capitania de Minas Gerais.
● O terceiro fator constitutivo da nossa mineiridade, na linha do tempo, foi outro movimento revolucionário que marcou o período das Regências e o início do Segundo Império: a Revolução Liberal de 1842, muito bem descrita no livro "História do Movimento Político que no ano de 1842 teve lugar na Província de Minas Gerais", do Cônego José Antônio Marinho.
Fazendo uma ligeira retrospectiva da situação política nos anos 40, o "Golpe da Maioridade", também conhecido como Declaração da Maioridade, garantiu ascensão ao trono de D. Pedro II, em 23 de julho de 1840, aos 14 anos. A Coroação de Pedro II como Imperador do Império do Brasil ocorreu na Capela Imperial, no dia 18 de julho de 1841.
Esse ano “terminava sob maus auspícios. Já no fim da sessão, o governo fizera aprovar duas leis retrógradas, as “leis do cabresto”: a de 23 de novembro, restabelecendo o Conselho de Estado, e a de 3 de dezembro, reformando o Código do Processo Criminal, que abastardava o júri, generalizava a prisão arbitrária a título de averiguação, suprimia a inviolabilidade do asilo, que a Constituição tinha garantido à casa do cidadão, entregues aos espiões da polícia as funções judiciárias, segundo a linguagem candente de Teófilo Ottoni. (...) Já a anulação do Ato Adicional fora uma atitude inconstitucional e reacionária. Agora, a dissolução prévia da Câmara vinha coroar a obra dos oligarcas, em sua fúria de 'regresso'.”, segundo [CHAGAS, 2021, 53-4].
Os liberais aguardavam a legislatura de 1842, quando teriam maioria absoluta, e na bancada mineira estariam Teófilo Ottoni e o Cônego José Antônio Marinho. Entretanto, com a notícia de que a futura Câmara seria dissolvida, os liberais se articularam. Os paulistas se comprometeram a levantar uma força respeitável, capaz de fazer recuar as tropas regulares do governo. Na província de São Paulo ⁸, a revolta eclodiu na manhã de 17 de maio de 1842, em Sorocaba, agitação que se estendeu a outras cidades. Na mesma data foi proclamado Rafael Tobias de Aguiar o presidente interino revolucionário da província em Sorocaba, a cidade natal dele, que, por sua vez, foi declarada capital provisória da província, sendo que o presidente legal da província era o conservador José da Costa Carvalho. Os rebeldes conseguiram também o apoio do padre Diogo Feijó e de Nicolau Vergueiro, senadores e antigos regentes do Império, e do deputado Antônio Gomes Pinheiro Machado. Os revoltosos paulistas foram derrotados pelo Barão de Caxias principalmente em Campinas, com vários mortos, em 6 de junho. Caxias retornou à Corte, em 23 de julho, sendo recebido pelo imperador, que lhe confiou outra missão: pacificar novo movimento liberal, desta vez na província de Minas Gerais. As forças do Barão de Caxias rapidamente se deslocaram do Rio de Janeiro para Ouro Preto, onde chegaram após, apenas, onze dias de marcha forçada, via Valença e Paraíba do Sul. Ampliando seu efetivo para 2 mil homens, Caxias rumou de Ouro Preto para Sabará, a fim de alcançar o arraial de Santa Luzia, onde se encontravam 3.300 rebeldes liberais com uma peça de artilharia.
A rebelião mineira tivera início em 10 de junho de 1842, na cidade de Barbacena, escolhida como sede do governo revolucionário. Na Câmara Municipal de Barbacena, José Feliciano Pinto Coelho, depois Barão de Cocais, fora empossado na presidência revolucionária da província. Os liberais, liderados por Teófilo Ottoni, tinham conseguido a adesão da Guarda Nacional local, depondo o presidente da província. Embora Caxias temesse que os rebeldes tomassem Ouro Preto, capital da província, estes tinham por objetivo principal conquistar Queluz (atual Conselheiro Lafaiete), abrindo caminho para a capital, o que ocorreu em 26 de julho. Buscando ocupar uma posição mais segura, os liberais seguiram para Lagoa Santa, onde se entrincheiraram e foram vencidos, após terem sido cercados pelas forças imperiais no arraial de Santa Luzia.
Ainda sobre a revolução em Minas houve encontros sangrentos por todo o território mineiro. Inicialmente Ouro Preto resistiu à revolução, sob a liderança do presidente legal Bernardo Jacinto da Veiga, que bateu os revoltosos em Mendanha, em 23 de junho, e Presídio, em 25 de junho, o que estimulou a reação à revolução. Mas, apesar disso, os revolucionários dominavam a parte mais populosa de Minas Gerais e as comunicações com o Rio de Janeiro. Eles se fortificaram em Queluz (Conselheiro Lafaiete) e fizeram de São João del-Rei a sua capital. Aí decidiram que conquistariam Ouro Preto com forças de Baependi, São João del-Rei e Barbacena, após se unirem ao forte das forças revolucionárias em Cataguases. Foi quando tiveram conhecimento da pacificação de São Paulo, o que provocou o arrefecimento da euforia. Às vésperas da batalha final em Santa Luzia, marcada para 20 de agosto, José Feliciano, acompanhado de seus familiares e alguns chefes que lhe obedeciam, valeu-se da calada da noite para abandonar Santa Luzia. De sorte que, na madrugada de 20 de agosto, Teófilo Ottoni teve que se colocar à frente da insurreição. Finalmente, em Santa Luzia os revoltosos foram vencidos. O Cônego Marinho se entregou à prisão e pessoalmente fez sua brilhante defesa no júri de Piranga. Ottoni, preso, saiu livre do júri reunido em Mariana em 19 de setembro de 1843. Pacificada a província com acordo quase unânime entre os "saquaremas" e os "luzias" (como então eram chamados, respectivamente, conservadores e liberais), em 1844 o imperador concedeu anistia geral aos insurgentes paulistas e mineiros. Os chefes liberais revoltosos voltaram ao poder.
Em 29/11/2008, a Câmara Municipal de Mariana e a Academia Marianense de Letras, em comemoração ao aniversário de 165 anos da absolvição de Teófilo Ottoni, um dos líderes da Revolução Liberal, convidaram o Desembargador Caetano Levi, acadêmico integrante da Casa de Cultura marianense para ser o orador oficial. Destaco o seguinte trecho de seu discurso, a respeito do julgamento do líder revoltoso:
“Na época, o júri julgava vários crimes, não só crime doloso contra a vida como é hoje. A legislação processual previa que o julgamento devia ser feito por 12 jurados. Doispartidos políticos dominavam o cenário nacional, os liberais e os conservadores. Teófilo Ottoni era deputado nacional (o que hoje corresponde ao deputado federal) pelo Partido Liberal. E o júri foi composto por liberais e conservadores. Mas a vocação libertária de Minas, numa reação aos desmandos que ocorriam na administração do governo imperial, se manifestou e Teófilo foi absolvido por 12 a 0, ou seja, até os conservadores o absolveram. (...) O julgamento de Teófilo Ottoni foi um marco extraordinário na história do Judiciário mineiro, porque fez com que Minas firmasse mais uma vez sua vocação para a liberdade.”
[CHAGAS ⁹, 2021, 60-1], grande biógrafo de Téofilo Ottoni, que o considerava "político da melhor categoria e tribuno de inexcedível envergadura moral", descreve da seguinte forma o seu julgamento no prédio da Câmara em Mariana:
“A 19 de setembro, reúne-se o júri de Mariana. O promotor recusa doze jurados. Estabelece-se a intriga na formação do conselho. E aterra-se o tribunal com a presença de numerosa força embalada. O velho casarão está repleto. Teófilo Ottoni entra na sala. Sereno, ereto, soberbamente tranquilo. Um pouco mais pálido, apenas. Não obstante o ar, guarda a velha insolência. Impassível, avizinha-se do banco dos réus, mas não se senta. E o tribunal em peso se levanta. Sem embargo das admoestações do presidente, o tribunal conserva-se de pé, enquanto o réu não toma assento. A acusação se desenvolve cerrada, abundante. O réu não tem advogado: fará a própria defesa. E fala. Responde, um por um, aos pontos da acusação. Argumenta sobre a inconstitucionalidade das leis reformistas. Mantém os velhos princípios. Não se desmente, não se nega, não recusa. O conselho de sentença, constituído promiscuamente de liberais e conservadores, delibera. Decifra “com maravilhosa habilidade, os enigmáticos quesitos”. E o réu é absolvido por unanimidade. José Mariano Pinto Monteiro (pai do futuro Senador Bernardo Monteiro), presidente do conselho de jurados, seguido de todos os membros, levanta-se e, sob profunda emoção do tribunal, vem oferecer a Teófilo Ottoni, “a fim de que a conduzisse à sua consorte, a pena com que tinham lavrado e subscrito a sentença”.
Esse julgamento, que a Reação trabalhara com má-fé, aterrando pela força e desonrando pelo suborno, valia por uma página ilustre. Vingava o réu, mas enobrecia os juízes. Era “uma das glórias, uma das maiores belezas do júri”. E era mais do que isso, porque repunha em seu lugar o sentimento da província. Definia a unidade de sua vocação constitucionalista. E ia além, biografando o espírito de seu povo. Entre aqueles jurados, muitos não eram liberais. Haviam-se oposto, com energia, ao movimento revolucionário. Conservadores, ficavam com o governo, davam-lhe a vida e a fortuna, mas não lhe sacrificavam a consciência jurídica. Por amor da ordem, tinham lutado contra a rebelião, mas não eram parceiros no crime liberticida. Rijos e puros, nem a ameaça, nem as seduções abatiam neles a nobreza do caráter. E, votando naquele julgamento como tinham votado, “justificavam a revolução como uma resistência legal”. A cena respirava a beleza de dias antigos. Tudo avultava na majestade desse julgamento: o réu, os jurados, a instituição. Tudo era grande no quadro magnífico. Tudo, menos o poder... (...)
O veredito do júri, que absolve todos os comprometidos no movimento, cala fundo na opinião. E a ideia de uma anistia ampla é posta na ordem do dia pela imprensa. (…)"
A luta terminara. Para governar a província foi nomeado o ultraconservador Francisco José de Sousa Soares Andrea. Processados e julgados, os líderes da revolta foram anistiados pelo imperador, em 1844. Minas Gerais estava pacificada. O governo comemorou sua vitória recepcionando Duque de Caxias com três dias de festa. Diferentemente das manifestações populares de anarquia, ocorridas após a abdicação de D. Pedro I, as revoltas liberais de São Paulo e Minas Gerais primaram pela excelência de sua liderança, como se pode perceber da leitura do panfleto O Libelo do Povo (1849), escrito por Francisco de Sales Torres Homem, com o pseudônimo Timandro:
“em 1842, pelo contrário, o que se via à frente do movimento, a braços com o soldado mercenário, era a flor da sociedade brasileira, tudo que as províncias contavam de mais honroso e eminente em ilustração, em moralidade e riqueza."
● O quarto momento, na linha do tempo, que considero formador de nossa mineiridade foi o Manifesto dos Mineiros em 24/10/1943, de lúcidos cidadãos (em geral bacharéis, advogados, dirigentes de bancos e intelectuais de renome) contra a ditadura de Getúlio Vargas no Estado Novo implantado através do Golpe de 1937. Vejamos as circunstâncias em que esse fato se deu há 79 anos atrás.
Duas motivações principais inspiraram a elaboração do Manifesto, ambas decorrentes da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, ao lado dos Aliados. A primeira motivação, explícita, se referia à possibilidade de se aproveitar a mobilização da opinião pública, indignada com o torpedeamento dos navios brasileiros pelos alemães, e explorar a contradição entre “lutar contra o fascismo na Europa e aceitar uma ditadura fascista no Brasil”. A segunda motivação, implícita, e de significado político mais sutil, referia-se à tentativa de se recuperar a iniciativa dos mineiros em face das pretensões democratizantes de Getúlio Vargas, diante da proximidade do fim da II Grande Guerra.
A ideia de se redigir um manifesto surgiu, inicialmente, como a “resposta mineira” aos festejos oficiais do centenário da Revolução Liberal de 1842 (Batalha de Santa Luzia), em que o governo reverenciou a memória de Caxias, enquanto a elite mineira preferia exaltar seus heróis liberais. O evento imediatamente anterior ao movimento pela elaboração do Manifesto dos Mineiros foi a realização do Congresso Jurídico Nacional, no Rio de Janeiro, convocado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, em agosto de 1943, onde a ideia do Manifesto foi fortalecida. A delegação mineira, chefiada por Pedro Aleixo ¹⁰, propôs uma tese sobre as liberdades públicas, tendo sido apoiada pelas delegações carioca e baiana. Em setembro, o grupo mineiro promoveu almoço-homenagem a Pedro Aleixo, último presidente da Câmara, e a partir de então passou a reunir-se no Rio de Janeiro (na residência dos Melo Franco, no Foro e no Instituto dos Advogados) e em Belo Horizonte. O texto, originalmente intitulado "Manifesto ao povo mineiro", datado de 24 de outubro de 1943, no mesmo dia em que se comemorava o início da Era Vargas em 1930, foi o primeiro pronunciamento público de setores liberais contra o Estado Novo, uma vez que as formas organizadas de oposição à ditadura restringiam-se, até então, à ação da esquerda. Assim, o Manifesto dos mineiros passou para a história como um dos elementos decisivos para a queda de Getúlio Vargas e o fim do Estado Novo, embora o documento não apresentasse qualquer proposta de ação concreta para a derrubada do regime. O texto original teve três versões (de Odilon Braga, de Virgílio de Melo Franco e de Dario de Almeida Magalhães) de cunhos decrescentementeradicais. Para o texto-fusão de Virgílio de Melo Franco contribuíram Milton Campos, Pedro Aleixo e Luís Camilo de Oliveira Neto. A Afonso Arinos coube a redação final. Virgílio de Melo Franco e Luís Camilo de Oliveira Neto lideraram o movimento de coleta de assinaturas no Rio de Janeiro e Pedro Aleixo, Milton Campos e João Franzen de Lima em Minas Gerais. A primeira impressão do texto (50 mil exemplares) foi feita numa gráfica de Barbacena (Gráfica do Bazar Moderno, de propriedade de Dario Bernardo ¹¹), e como não foi possível a publicação, devido à censura (o Correio da Manhã chegou a cogitar do risco), a distribuição foi feita de mão em mão ou por baixo das portas. O brigadeiro Eduardo Gomes encarregou-se da distribuição pelo norte do país.
A subscrição do Manifesto foi limitada aos mineiros, contando-se 92 assinaturas de personalidades tradicionais: políticos (entre os quais se destacavam o ex-presidente Artur Bernardes, o tenente civil Virgílio de Melo Franco preterido em 1933, o presidente da Câmara Pedro Aleixo e o deputado estadual Bilac Pinto que tiveram o mandato cassado pelo Golpe de 1937, bem como o ministro da Agricultura Odilon Braga afastado em 1937), intelectuais (Augusto de Lima Júnior e Pedro Nava), dirigentes de bancos (José de Magalhães Pinto, Milton Campos, Odilon Braga, Ovídio de Andrade, etc.), sobretudo um grande número de advogados em geral e consultores jurídicos de bancos. Recusaram-se a assinar o Manifesto o ex-presidente Venceslau Brás, Antônio Carlos e Bias Fortes. O Manifesto dos mineiros tornou-se o precursor de outros documentos de índole igualmente liberal, porém de caráter cada vez mais contestatório. Em dezembro de 1943, Armando de Sales Oliveira, então exilado, divulgou uma Carta aos brasileiros na qual exortava a união dos liberais e chefes militares em defesa da democracia. Em abril de 1944, Dario de Almeida Magalhães, sob o pseudônimo de Timandro, escreveu uma carta ao ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, alertando-o para o cumprimento dos “deveres das forças armadas em face da ditadura”. Em janeiro de 1945, o I Congresso Brasileiro de Escritores, em sua Declaração de princípios, exigiu “completa liberdade de expressão e sufrágio universal, direto e secreto”. Em março de 1945, os professores da Faculdade Nacional de Direito subscreveram um manifesto (redigido por San Tiago Dantas), no qual acentuavam a falta de legitimidade da Carta de 1937 e sugeriam a entrega da chefia da nação ao Judiciário (ao presidente do Supremo Tribunal Federal), como efetivamente ocorreu a 29 de outubro, quando ocorreu o fim do Estado Novo com a deposição de Vargas pela alta cúpula das Forças Armadas.
O Manifesto dos mineiros é considerado também o marco inicial da conspiração que desembocaria na fundação da União Democrática Nacional (UDN), a 7 de abril de 1945.
● Abordo a seguir o quinto fator responsável por nosso sentimento de mineiridade: o Dia de Minas, instituído há 43 anos atrás. Embora seja o último e mais recente, não quer dizer que seja menos importante. Acredito terem sido os quatro anteriores os principais subsídios históricos de que se serviu o Acadêmico Roque José de Oliveira Camêllo para lançar a ideia de se instituir o 16 de julho – então Dia de Mariana – como data cívica estadual, tendo recebido o apoio do então presidente da Casa, historiador Waldemar de Moura Santos, dos Acadêmicos, das Autoridades Municipais e da comunidade marianense. Tomo o testemunho do Acadêmico Frederico Ozanan Teixeira Santos, in Academia de Letras - 50 Anos!, que, na data da celebração dos 50 anos da AML (28/10/2012), declarou: “No seu seio (i.é., da Academia Marianense de Letras), em 1977, nasceu o projeto da celebração do Dia do Estado de Minas Gerais – 16 de julho, quando a capital de Minas se transfere simbolicamente para Mariana, data coincidente com o dia do aniversário da fundação da cidade. Seu autor, o (atual) presidente da instituição, prof. Roque Camêllo, teve por objetivo, além de homenagear a primeira capital, motivar a integração e o fortalecimento da unidade territorial de Minas Gerais, à época ameaçada.”
Observe que quem o diz é membro efetivo da AML e filho de Waldemar de Moura Santos, presidente da entidade no ano de 1977. No seu texto deixa claro que Roque Camêllo, então Acadêmico, indubitavelmente é o autor do projeto do "16 de Julho: Dia de Minas".
Em seguida, a proposta foi entregue ao governo estadual e à Assembleia Legislativa. Portanto, essa iniciativa ocorreu no seio desta Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes, em 16 de julho de 1977, durante a sessão comemorativa do 281º aniversário de Mariana. Diante da dificuldade da missão, o autor do projeto não claudicou: manteve a firmeza de seu propósito, vendo finalmente sua iniciativa ser coroada de êxito em 19 de outubro de 1979, quando o governador Francelino Pereira dos Santos sancionou a Lei nº 7561, instituindo o 16 de Julho como Dia do Estado de Minas Gerais. A honra que teve a cidade marianense de ver seu Dia transposto para o do Estado se deve a uma campanha muito bem conduzida pelo autor do projeto.
Segundo [CAMÊLLO, 2016, 205-11],
“embasou-se o projeto em levantamento das datas cívicas de todos os Estados, concluindo que Minas Gerais era o único da Federação a não comemorar a sua. Havia uma justificável confusão com o 21 DE ABRIL, comemorativo da morte do Patrono da Nação Brasileira, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Trata-se de uma efeméride nacional, nobre reverência ao mártir que lutou pela liberdade do povo. Todavia, a comemoração se refere a um fato que se deu no Rio de Janeiro, no Largo da Lampadosa, naquela manhã de sábado de 1792, quase dois séculos após Minas Gerais existir. Em que pese ser mineiro o inesquecível Herói Nacional, a data em questão não remete às origens de Minas. Procurou-se, portanto, identificar o momento mais próximo e fomos encontrá-lo nas primazias de Mariana como primeira vila, capital e cidade além de outros atributos, todos oriundos de atos oficiais. É oportuno registrar que, nos anos 70 e 80, vivia-se uma movimentação política com vistas a dividir o território mineiro em novos Estados. A preocupação do autor do projeto se firmava também na necessidade de se instituir uma data cívica genuinamente mineira que, uma vez celebrada, fortalecesse o compromisso da unidade deste território, sem qualquer fracionamento. ¹² Minas podem ser muitas por sua cultura plural, pela riqueza de seus usos, costumes e linguajares. Porém é e será sempre uma única pelo sentimento. (...)” (grifo nosso)
No ano seguinte o prefeito de Mariana,
“Jadir Macedo, cidadão voltado para o ideal de preservar a História e as raízes mineiras, aceitou a sugestão de que aquele logradouro de diversos nomes (Largo de São Francisco, Largo do Carmo e Praça João Pinheiro) fosse oficialmente denominada PRAÇA MINAS GERAIS, passando a ser o símbolo de nosso Estado. (...)
A alma de Minas é simbolizada no encantador espaço em que se encontram as Igrejas de São Francisco, Carmo, a Câmara e o Pelourinho. Aí Minas Gerais presta seu tributo à cellula-mater." Foi "na administração desse prefeito, que se deu a recomposição nomesmo local e, em 16 de julho de 1980, já ornamentava a praça na solenidade do Dia de Minas. Defronte ao Pelourinho, foi construída a terceira sede da Câmara (...)
Notáveis nomes assentaram-se em seus salões no período colonial, no Império e na República. Fatos importantes da História Brasileira aconteceram na primeira Casa Legislativa de Minas Gerais. Serviu também de Fórum e Prefeitura após a Proclamação da República em 1889. Assim, alguns extrapolavam os objetivos próprios de uma câmara de vereadores. Um exemplo emblemático foi o julgamento, em 19 de setembro de 1843, do líder da Revolução Liberal, Teófilo Benedito Ottoni. (...)
Naquele dia, Mariana demonstrou que ser leal não significa submissão. Envolta nos argumentos irrefutáveis do paladino da liberdade, absolveu também os demais revoltosos. Com sua altivez, deu exemplo de justiça e consciência cívica perante a pátria sem abdicar de seu título de Leal Cidade. (...)
Portanto, na data de 16 de julho de 1980, houve a primeira comemoração, transferindo-se simbolicamente a capital para Mariana, presentes os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Estado, como estabelece a referida Lei. (...)
Instituída em 1980 a Comenda do Dia do Estado de Minas Gerais, foi concedida a autoridades federais e mineiras e a todas as Cidades Históricas. Sua concepção ficou a cargo do prof. Wilson Chaves, então Coordenador Estadual de Cultura.”
Dez anos depois, mais precisamente em 1º de fevereiro de 1989, em nome da Academia Marianense de Letras, Roque Camêllo compareceu ao plenário da Constituinte Mineira e apresentou uma proposição para que o 16 de Julho-Dia do Estado de Minas Gerais fosse declarado data cívica constitucional. Em 21 de setembro do mesmo ano foi promulgada a nova Constituição do Estado de Minas Gerais, editando em seu Título V, das Disposições Gerais, o Artigo 256 com redação dada pelas Emendas à Constituição nº 22, de 03/07/1997 e nº 89, de 7/12/2011, que reproduz a proposta apresentada por Roque Camêllo aos constituintes, com as modificações apresentadas posteriormente, verbis:
Art. 256 - São considerados:
I - data magna do Estado o dia 21 de abril, Dia de Tiradentes;
II - Dia de Minas o dia 16 de julho;
III - Dia dos Gerais o dia 8 de dezembro.
§ 1º As semanas em que recaírem os dias 16 de julho e 8 de dezembro serão denominadas Semana de Minas e Semana dos Gerais, respectivamente, e constituirão períodos de celebrações cívicas em todo o território do Estado.
§ 2º - A Capital do Estado será transferida simbolicamente para a cidade de Ouro Preto no dia 21 de abril, para a cidade de Mariana no dia 16 de julho e para a cidade de Matias Cardoso no dia 8 de dezembro.
Observe que a Constituição mineira silencia quanto à obrigatoriedade de a mesma data ser considerada feriado estadual, diferentemente de outros Estados da Federação, que decretam feriados estaduais as suas datas magnas, por exemplo São Paulo (9 de Julho) e Bahia (2 de Julho). [OZANAN, 2009, 01/07/2009], em artigo postado no Blog do Ozanan intitulado Dia de Minas Gerais-30º aniversário!, traz, na seção "Bastidores do Dia de Minas", a informação de que “em 12/09/1995, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sancionou a Lei federal nº 9.093, que dispõe sobre feriados civis. No seu artigo 1º, são considerados feriados civis os declarados em lei federal e a data magna do Estado. Devido a essa lei federal, em 16 de julho de 1996, quando Mariana completou o tricentenário de sua fundação, o Dia do Estado Minas Gerais foi comemorado pela primeira e última vez num feriado estadual. Além de causar inveja nas cidades históricas vizinhas, o feriado estadual desagradou a Câmara de Diretores Lojistas de Belo Horizonte que alegou o estúpido argumento de que o feriado estava causando prejuízo econômico ao povo e aos cofres públicos. Na ocasião, até o então prefeito de Mariana, João Ramos Filho, foi contra o feriado estadual só por que a idéia do Dia de Minas partira de um adversário político dele.”
Relembro aqui um dos últimos compromissos assumidos por Roque Camêllo em sua vida, o de presidente da Comissão de Defesa do Patrimônio Histórico da OAB/MG.
No dia da instalação da referida Comissão (21/10/2013), proferiu um discurso, do qual destaco as seguintes palavras em conexão com este meu discurso:
“Minas Gerais, não sendo o mais velho Estado da Federação, no entanto, é o Estado do equilíbrio nacional e representa os anseios de todo o povo brasileiro que prima por privilegiar o sentimento libertário a exemplo dos Inconfidentes.”
Com base em registros históricos, Roque Camêllo, com muita argúcia, observou a coincidência de algumas datas marcantes da história de Mariana com a história do território que futuramente seria o Estado de Minas Gerais, em especial durante os primeiros 50 anos de existência de Mariana. Com esses dados fundamentou bem sua proposta do 16 de Julho-Dia do Estado de Minas Gerais.
Mariana é também conhecida por referência a vários epítetos, consolidados por todas as honras e títulos conquistados por seu mérito nos primeiros 50 anos de existência:
Mariana é tida como a "primaz" de Minas: primeira vila, primeira capital e primeira cidade. Tendo sido a sede do primeiro Bispado de Minas Gerais, Mariana é considerada também "berço da civilização mineira", aqui compreendidas a tradição cultural e a religiosidade cristã de Minas Gerais. Além desses títulos invejáveis, a cidade de Mariana é guardiã de importante acervo do patrimônio cultural e histórico de Minas Gerais. De forma sumária, é altamente provável que tenham sido estes os fatos históricos marianenses sabidamente documentados de que se serviu Dr. Roque Camêllo, para formular o seu projeto do DIA DE MINAS.
Por todas essas razões, Roque Camêllo entendeu que Mariana era bem representativa de Minas Gerais e que estava credenciada a personificar condignamente o Estado, justificando-se que na data de fundação de Mariana fosse também comemorado o Dia de Minas.
Encaminhando-me para o fim do meu texto, retorno ao tema da "Nova Jerusalém, Cidade Celeste", agora em novo contexto e sob a perspectiva de São João Evangelista no capítulo 21 do seu Apocalipse, revelação supostamente recebida diretamente de Deus. Apocalipse 21, 2-3: “Eu a vi descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, a Nova Jerusalém, como uma esposa ornada para o esposo. Ao mesmo tempo ouvi do trono uma grande voz que dizia: "Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens. Habitará com eles, e serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles.”
Apocalipse 21, 10-11: “(Um dos sete anjos) levou-me em espírito a um grande e alto monte, e mostrou-me a Cidade Santa, Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus, revestida da glória de Deus. Assemelhava-se seu esplendor a uma pedra muito preciosa, tal como o jaspe cristalino.”
Em outras palavras, como a Nova Jerusalém, a Cidade Celeste, profetizada por Isaías, por antonomásia, és Mariana o tabernáculo, lugar sagrado que Deus escolheu para manifestar a Sua presença de glória no meio da gente mineira.
Finalizando, como disse Hermes Trismegisto "Tudo o que está em cima é como o que está embaixo": ó Mariana, tua glória será eterna.
II. NOTAS EXPLICATIVAS
¹ D. Fernando Martins de Lencastre, acusado de ter omitido do rei o que se passava nas Minas.
² Tendo sido criada a capitania de São Paulo e Minas de Ouro, foi nomeado, para o seu governo, o Governador e Capitão General Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, que morou em Ribeirão do Carmo, primeira capital das Minas. Em Carta Régia de 1712, El Rei confirmou o pedido que lhe fizera Albuquerque em 1711: a elevação do arraial de Ribeirão do Carmo a vila com o nome de Vila de Nossa Senhora do Carmo, e não Vila de Nossa Senhora do Carmo de Albuquerque, como lhe fora pedido. Pela elevação a vila, instalou-se a primeira Casa de Câmara na casa do vereador Pedro Frazão, à rua Direita de Mata-Cavalos, próximo ao largo da Quitanda, onde se reunia o Conselho de "homens bons" em sessões públicas. A Câmara da Vila do Carmo recebeu a concessão dos privilégios da Câmara do Porto e o título de Leal Vila. (Vide mais extensivamente in Revista do Arquivo Público Mineiro (RAPM) - ano 2, fascículo I, 1897, p. 148, 149 e 152.)
³ Dois chefes dos revoltosos emboabas: o primeiro, Manuel Nunes Viana, aclamado com o título de Governador, assim denominado pelos seus, e o segundo, Antônio Francisco, com o título de Mestre de Campo, por nomeação do mesmo Viana.
⁴ Cláudio Manuel preservou elementos de um poema perdido sobre a descoberta das esmeraldas, de autoria de Diogo Grasson Tinoco, cujas quatro estrofes conhecidas ele transcreveu no capítulo Fundamento Histórico.
⁵ Por incrível que pareça, parte das Ordenações Filipinas vigoraram no Brasil por quase dois séculos depois da Independência do Brasil e 27 anos após a Proclamação da República, mesmo depois de sua revogação em Portugal em meados do século XIX.
⁶ O Governo de Minas Gerais é que oficializou a cor vermelha na bandeira do Estado, no art. 2º da Lei nº 2.793, de 8 de janeiro de 1963.
⁷ A tradução geralmente aceita é a seguinte: "A liberdade que, embora tardia, contudo, me viu inerte". O tema desta écloga, por Virgílio, refere-se à mágoa, ao desespero, à escravidão dos pastores que tiveram suas terras, animais e casas expropriadas pelos generais romanos com o objetivo de distribuí-las a seus soldados. Trata-se de prática muito frequente por parte dosvencedores.
Essa écloga apresenta um diálogo entre Melibeu e Títiro. No interior da écloga, Melibeu pergunta: "E qual foi o forte motivo para visitares Roma?" O lema dos conjurados é exatamente o começo da resposta de Títiro à indagação de Melibeu.
⁸ O ano atual de 2022, em que celebramos o bicentenário de nossa Independência, é repleto de efemérides: no dia 17 de maio, completaram-se 180 anos da eclosão da Revolução Liberal de 1842, iniciada em São Paulo, mas que se estendeu para Minas Gerais e se juntou à Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul, na maior revolta da história donosso país.
⁹ Paulo Pinheiro Chagas (1906-1983), biógrafo e político brasileiro nascido em Oliveira-MG.
¹⁰ Em maio de 1937, Aleixo foi eleito presidente da Câmara Federal, derrotando, com o apoio do governo Vargas, a candidatura do líder mineiro Antônio Carlos. Em 10 de novembro de 1937, colocou-se contrário à implantação da ditadura do Estado Novo, que fechou o Congresso, outorgou uma nova Constituição de cunho autoritário e suspendeu os trabalhos legislativos por 9 anos.
¹¹ O episódio da impressão do Manifesto pode ser lido nas memórias de José Bonifácio Lafayette de Andrada (Zezinho Bonifácio): Uma vida dedicada à política (ver na bibliografia), capítulo III. Nos Desvãos da Ditadura (1937-1945), item 2 intitulado "O conspirador e o manifesto", pp. 87-88.
¹² Ameaçava a unidade territorial de Minas Gerais, à época, o separatismo do Triângulo Mineiro, uma tese controvertida abraçada por vários brasileiros ilustres. Ainda no Império o senador Cândido Mendes e o primeiro Antônio Carlos muito se bateram pela redivisão das grandes províncias notadamente da Bahia, Minas, Goiás e Mato Grosso. Em 1720, Minas Gerais se emancipou da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, mas o sertão da Farinha Podre (Triângulo Mineiro), Goiás e Paraná continuaram pertencendo à província de São Paulo. Em 1748, Goiás também se emancipou, tendo levado consigo o hoje denominado Triângulo Mineiro. Em 4 de abril de 1816, Dom João VI, a pedido de um grupo de fazendeiros, líderes políticos e comerciantes de Araxá, separou o Triângulo de Goiás e o anexou a Minas Gerais. Eles alegavam, com razão, que Ouro Preto, capital na época, era bem mais próxima do Triângulo do que de cidade de Goiás. Segundo Saint Hilaire, botânico, naturalista e viajante francês, que viveu no Brasil de 1816 a 1822, a povoação de Farinha Podre foi fundada em 1812, por mineiros que se sentiram entusiasmados com as belíssimas pastagens da região.
* Membro efetivo da Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, ocupante da Cadeira nº 23 - Patrono: Roque José de Oliveira Camêllo e conselheiro honorário do Instituto Roque Camêllo.
III. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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AUTOS DE DEVASSA DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA. Brasília: Câmara dos Deputados. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 2ª edição, 1976 a 1983, 10 volumes.
CAMÊLLO, Roque J.O.: “Mariana - Assim nasceram as Minas Gerais: Uma Visão Panorâmica da História”, Belo Horizonte: Editora Nitro, 2016, lançado em homenagem aos 305 anos da elevação de Mariana à categoria de vila, 231 p.____ (coord.): “16 DE JULHO: O DIA DE MINAS” (Discursos, pronunciamentos, ensaios, crônicas e poemas sobre a data constitucional mineira), Belo Horizonte: Editora Lemi S.A., 1991, 254 p.
CHAGAS, Paulo Pinheiro: Teófilo Ottoni: Brasília: "o Homem, o Político, a Obra", 1979 (1ª edição)/2021 (2ª edição), 315 p., nº 12 e-book da série Perfil Parlamentar, Edições Câmara.
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Link: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=vila+rica+claudio+manuel+da+costa+pdf
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Link: https://amagis.com.br/posts/mariana-comemora-165-anos-de-absolvicao-de-teofilo-otoni
OZANAN, Blog do: Dia de Minas Gerais-30º aniversário!, postado em 01/07/2009.
Link: http://blogdoozanan.blogspot.com/2009/07/dia-de-minas-gerais-30-aniversario.html
_______ Academia Marianense de Letras - 50 Anos!, postado em 28/10/2012. Link: http://blogdoozanan.blogspot.com/2012/10/academia-marianense-de-letras-50-anos.html
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VILELA, Hugo Otávio Tavares: As Ordenações Filipinas: o DNA do Brasil, Revista dos Tribunais, Ano 104, vol. 958, agosto/2015, São Paulo: Ed. RT
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